Irlanda ( EIRE) e Irlanda do Norte.

Irlanda - EIRE

Irlanda do Norte 


“Eu sou um estuário no mar
 Eu sou uma onda no oceano
 Eu sou o som do mar
 Eu sou um poderoso touro
Eu sou um falcão no rochedo
Eu sou um orvalho ao Sol
 Eu sou uma bela planta
 Eu sou um javali de valor
Eu sou um salmão na piscina
Eu sou um lago na planície
Eu sou a força da arte/” - Amhairghin -

Desde o final dos anos 60, católicos e protestantes mergulharam numa guerra civil na Irlanda do Norte, a antiga província do Ulster, ligada ao Reino Unido. Eles têm dilacerado a região, tornando-a palco do mais longo conflito da Europa do após-guerra. Até o acordo recente, intermediado pelo governo trabalhista de Tony Blair, registraram-se 30 anos de beligerância.

Para entender-se esse desacerto sangrento é necessário retroceder-se ao passado distante, não só da Irlanda do Norte mas de toda ilha da Irlanda. Um passado que nos leva a tempos bem mais longínquos quando a Irlanda tornou-se a primeira colonia da Inglaterra.

A Ocupação da Irlanda

A Irlanda, a Esmerald Island, uma ilha menor do Mar do Norte, situada logo ao oeste da Inglaterra - de quem se encontra separada pelo Mar da Irlanda e pelo canal de S.George -, foi, por séculos, o derradeiro recanto da cultura gaélica ou celta que antes abrangia a França e a Inglaterra de hoje. No século 5, ainda chamada de Hibernia, foi convertida ao cristianismo por S. Patrick. Entre os anos de 500 a 800 os monges irlandeses foram um esteio da civilização cristã não só desenvolvendo excelentes trabalhos como artesãos e copistas, entesourando a literatura religiosa cristã, mas igualmente como evangelistas. Muitos deles atuaram no Continente Europeu, como Columbanus que partiu da ilha em 590 com 12 companheiros para fundar conventos na Gália (atual França).

Politicamente, por aquele época, os irlandeses se divididam em várias tribos e em duas familias reais rivais, o que facilitou as sucessivas violações e saques perpetrados pelos invasores vinkings. Em 1175, o rei normando-inglês Henrique II Plantageneta determinou-se ocupá-la.

Desde então começou o martírio dos irlandeses. Durante os três primeiros séculos, os normando-ingleses limitaram-se a controlar Dublin e suas cercanias próximas, formando ali uma verdadeira fortaleza denominada de English Pale, a Paliçada Inglesa.

Até 1494 contavam com a colaboração de um família de condes, os FitzGerald, the Gerladines, que administravam como vice-reis o restante da ilha, fora da Paliçada. A partir de então o rei da Inglaterra optou pela presença direta de um seu representante, fazendo com que pela Lei Poyning, que durou até 1782, o parlamento irlandês, que já funcionava desde 1297, se subordinasse ao inglês. O controle mais ou menos frouxo da ilha foi substituído pela English Rule, pelo domínio direto.

A Reforma

Henrique VIII

As relações entre o governo inglês e os condes irlandeses deterioram-se a partir da Reforma Protestante. Em 1534 Henrique VIII da Inglaterra separou-se de Roma e tornou-se o chefe da igreja nacional: a Igreja Anglicana. O sentimento nacional irlandês, fortemente identificado com o catolicismo, reagiu contra o que consideravam uma heresia, isto é, romper com Roma. Foi este o pretexto que fez um dos condes, Lorde Offaly, rebelar-se contra o rei. Acabou executado em 1537, não sem antes tentar obter apoio no exterior junto ao papa.

Desde então a política irlandesa caracterizou-se por buscar sustentação externa para expulsar os ingleses: ora apelaram ao Papado, ora os espanhóis, bem depois aos franceses, e por último, na Iº Guerra Mundial, aos alemães.

Isabel I
Assegurando ainda mais o seu domínio, Henrique VIII fez aprovar a Lei da Cedência e Devolução na qual as terras irlandesas passavam a pertencer a ele, ao rei. Só as receberiam de volta os proprietários que jurassem fidelidade. Isto abriu caminho para a sua sistemática espoliação. A cada motim irlandês mais terras eram confiscadas, fazendo com que ao redor de 1700 só 14% delas estivessem com os católicos. Além de ameaçar-lhes com a desapropriação, a Irlanda foi submetida a uma verdadeira guerra econômica. Em 1571 a rainha Isabel I proibiu o seu comércio de lã , pois era rival do inglês. Bem mais tarde, outras medidas complementares atingiram o algodão e o tabaco. Apesar da sua fertilidade a ilha viu-se reduzida à pobreza crônica.

Não satisfeitos, os ingleses atacaram diretamente a cultura gaélica, proibindo sua língua e seus trajes. Foi um verdadeiro etnocídio. Forçaram ao exílio os artistas, os poetas e até os arpistas (a arpa é o simbolo nacional da Irlanda). Mesmo assim a Irlanda não parou de revoltar-se, tornando-se campo de luta da Reforma e da Contra-reforma.

As Plantações e o terror Protestante

Para dar mais solidez à ocupação da ilha, a Inglaterra adotou a politica das plantations, das plantacões. Tratou-se de uma revivência da velha politica romana da colonização. Estimulou para tanto a vinda de escoceses (13 mil) e ingleses (7.500), de fé episcopal, presbiteriana ou puritana, facilitando-lhes a adquirição de campos. Naturalmente que arrancados aos irlandeses. Os protestantes que hoje habitam a Irlanda do Norte são descendentes desses imigrantes que chegaram nos finais do século 16 e princípios do 17. Como complemento, as antigas leis gaélicas, as Brehon Laws, foram derrogadas imperando desde então o direito inglês.

Oliver Cromwell
Quando deu-se a Guerra Civil de 1641-9 - a Revolução Puritana - entre o Rei Carlos I e o Parlamento liderado por Oliver Cromwell, os irlandeses trataram de aproveitar a confusão formando a Confederação de Kilkenny. Nela coligaram-se irlandeses gaélicos, normandos e membros do alto clero católico, liderados por Phelim O’Neill, reclamando a devolução das terras, contrapondo-se a Londres.

Vitorioso o Parlamento e executado o rei em 1649, Oliver Cromwell desembarcou em Dublin para suprimir-lhes a autonomia. Uma das razões da chegada do exército puritano,o New Model Army, era vingar uma chacina que vitimara milhares de protestantes no Condado de Ulster em 1641. A represália foi terrível. Foram perpretados dois massacres exemplares. O primeiro em Drogheda, em setembro de 1649, e o outro em Wexford, em outubro do mesmo ano. A Irlanda capitulou, sendo controlada por governadores-gerais ou comissários parlamentares ingleses.

Cromwell, por sua vez, ficou marcado na historia irlandeses como butcher, um “açougueiro” enquanto que novas plantações - as Cromwell plantations - foram distribuídas aos vencedores. Estas medidas faziam parte da politica de terra-arrasada e de terrorismo estatal adotadas pelos ingleses.

De certa forma os irlandeses conheceram um destino bem semelhante aos dos nativos americanos que, na mesma época, também estavam sendo espoliados da sua terras, privados da sua cultura e submetidos ao um estatuto jurídico próximo da servidão. Eles, os irlandeses, tornaram-se nos “indios-brancos” do colonialismo inglês.

Meio século depois das atrocidades de Cromwell as últimas esperanças de uma autonomia foram-se com outra derrota, a da batalha de Kingale. No dia 12 de junho de 1690, nas margens do rio Boyne, enfrentaram-se os exércitos de Jaime, o recém-deposto rei católico da Inglaterra, e seu genro e inimigo, Guilherme de Orange, o Guilherme III da Inglaterra, o campeão do protestantismo.

Duas internacionais se enfrentaram: a católica com 21 mil soldados e a protestante com 35 mil. Com a derrota dos católicos a Irlanda desesperançou-se. Os ingleses de ascendência protestante, fizeram o Parlamento irlandês aprovar as chamadas Penal Laws, as Leis Penais, que praticamente tornaram o catolicismo um crime.(*)

Os “papistas” não podiam portar armas, herdar terras de protestantes ou arrendá-las ou hipotecá-las por um prazo superior a 31 anos ou casar com protestantes. Vedavam-lhes ter suas próprias escolas, bem como enviar seus filhos ao estrangeiro (**). Só seriam tolerados membros do baixo clero, porque pelo Decreto de Expulsão de 1697 todos os bispos e demais integrantes do alto clero foram expulsos da Irlanda. Estas leis somente foram revistas parcialmente em 1793 e abolidas em 1828.

Desde então, da década de 1690, o governo da Irlanda caiu inteiramente sob o controle da Ascendência Protestante cujos integrantes perfaziam mais ou menos 25% da população.

(*) Para comemorar esta histórica vitória os protestantes da Ordem de Orange, fundada em 1795, realizam todos os anos na Irlanda do Norte uma série de marchas cívicas que começam no dia 12 de julho , data da vitória de Boyne estendendo-se até 12 de agosto, quando registra-se o levantamento do cerco católico sobre Londonderry. Atualmente estas marchas por atravessarem bairros ou regiões católicas têm sido uma fonte constante de violências.

(**) Esta guerra aberta contra a educação dos irlandeses gerou um fato curioso. Proibidos de falar e expressar-se em gaélico, os irlandeses terminaram por contribuir para que nascesse em seu solo 4 dos maiores escritores da língua inglesa: Johnathan Swift, autor das “Viagens de Guliver”(1726); George Bernard Shaw , Prêmio Nobel de 1925 e maior teatrologo da Inglaterra , autor de “Pigmalião” (1912); William B. Yeats, Prêmio Nobel de 1923, autor do livro de poemas “A Tôrre” (1928), e James Joyce autor de “Ulisses”(1922), tido como novela emblemática do modernismo literário.


A Revolta de 1798

“Quem teme falar sobre o ‘98’?
 Quem se enrubesce ao escutar-lhe o nome quando covardes debocham do destino dos patriotas, que foram pendurados em vergonha?
Eles todos são velhacos, ou meio-escravos. São os que desprezam o seu país”. - Poema patriótico irlandês sobre o levante de 1798

A Revolta de 1798
O nacionalismo irlandês teve que esperar pela Revolução Americana de 1776 e pela Francesa de 1789 para estrutura-se numa frente em comum de intelectuais que unisse numa organização secular católicos e protestantes episcopais (que também eram discriminados). A nova organização laica - claramente inspirada nos jacobinos franceses - chamou-se United Irishmen, os Irlandeses Unidos, e teve Wolfe Tone como seu líder. Em 30 de março de 1798, contando com auxilio francês eles sublevaram a província de Leister, obtendo a adesão de 100 mil dos seus compatriotas, mas a ação dos britânicos logo os deteve. As tropas do lord Cornwallis fizeram 30 mil vitimas numa insurreição que durou 4 meses. Os castigos impostos aos sobreviventes foram terríveis. Sentenças de 500 a 999 chibatadas se tornaram comuns. Wolfe foi executado não sem antes de declarar suas esperanças numa Irlanda livre.

O fracasso de mais uma insurreição fez com que os irlandeses, durante o século 19 apostassem mais numa política de mobilização e pressão junto ao Parlamento, que os ingleses haviam unificado em 1801, combinado-as com muita agitação social, como correu com o movimento Repeal of Union, rejeitando a união, de Daniel O’ Connell, entre 1835-40.

A Grande Fome: a tragédia do século

No seu clássico livro de história social (*), Frederico Engels observou que a miséria da Irlanda no século 19 devia-se a uma estrutura social perversa. Os poucos proprietários ( da Ascendência Protestante) arrendavam as suas terras para uma imensa massa de camponeses pobres que usavam os seus lotes para plantar e colher batatas. O numero de intermediários entre o proprietário e o lavrador era tamanho que, por vezes, chegava a dez. Eles, os lavradores, viviam miseravelmente em choças de barro de uma só peça e mal colhiam para alimentar-se por 30 semanas. Nas restantes 22 suas mulheres eram postas a mendigar. Numa população estimada em 8 milhões, 27% eram indigentes. Uma das leis de terras mais cruéis e injustas dizia que o proprietário podia expulsar o lavrador se um dos arrendatários não pagasse a sua parte ao dono. Nem a chegada de agricultores ingleses, observou Engels, melhorava-lhes a situação. Ao invés de serem portadores de uma cultura superior, brutalizavam os habitantes com sua exploração.

Foi neste quadro de pobreza quase que absoluta que, para piorar-lhes a desgraça, deu-se a praga da batata. A partir de 1845 um fungo maligno iniciou sua devastação. Durante os cinco anos seguintes, atingindo seu climax nos anos de 1847/8, ele estendeu-se pelas lavouras da ilha.

Os moradores desesperados passaram a escavar alucinadamente o solo em busca de uma raiz ou o ramo qualquer que lhes aplacasse a fome. Em pouco tempo os campos da Irlanda, um dos mais férteis da Europa, viram-se inutilmente revirados pelos ancinhos, pás e mãos de uma multidão enlouquecida pela fome.

Os proprietários alegando falta de pagamento dos arrendamento determinaram por expulsá-los em massa. Mas o pior como sempre partiu do governo inglês. Um carregamento de grãos vindo da Índia não pôde ser vendido abaixo do preço convencional porque os lideres ingleses não permitiram. Alegaram, dentro do espirito da doutrina liberal, que isto afetaria a lei dos preços que regulava o mercado de cereais.

Pode-se cogitar que as autoridades inglesas, inconscientemente, cometeram um genocídio contra o povo da Irlanda, pois calcula-se que a Grande Fome matou de pauperismo e doença um milhão de agricultores e seus familiares.

As cenas rurais eram impressionantes. Um jornalista registrou que em quase todos os lugares visitados deparou-se com “crawling skeletons, who appear to have risen from the graves”, esqueletos ambulantes arrastando-se para fora das sepulturas, num cenário de pauperismo fantasmagórico. Para o historiador Charles Kingsley eles pareciam-se a intimidadores “chimpanzés humanos” espalhados por centenas de milhas “daquela terra horrível”.

A solução para milhares deles foi embarcar para a América e outras partes do Império. Foram salvos pela imigração, não pela solidariedade. Na entrada dos anos de 1850 a população reduzira-se para 5 milhões. Durante os vinte anos seguintes a Irlanda prostrada emudeceu em luto pela tragédia coletiva.

(*) A situação da classe operária na Inglaterra ( Die Lage der Arbeiten Klassen in England, Leipzig, 1845)

A Luta pelo Home Rule

“A maioria das corporificações físicas do nosso passado são ruinas, do mesmo modo que a maioria das nossas canções são canções de lamento e desafio.” - Sean O‘Faolain

Arrasados pela fome, as lideranças iralandesas só retomaram a luta nos finais dos anos 60 do século 19. E, como sempre, esta assumiu duas vertentes. Uma preocupada com a agitação e luta parlamentar encabeçada, entre 1879-82, por Charles Steward Parnell, que assumiu o protesto contra a opressão dos latifundiários, no episódio chamado de The Land War, a guerra das terras. Enquanto que a outra enveredou para a luta armada, clandestina, proposta pelos The Fenians, os Fenianos, de James Stephans, a partir de 1863. Eles emergiram aproveitando-se do clima da Guerra Civil americana, mas foram esmagados dois anos depois. Seus lideres cumpriram longas penas, enquanto outros foram degredados ou enforcados.

A resistência idômita dos irlandeses levou a um dos estadistas ingleses a exasperação. Escrevendo à rainha Vitória, o ministro Disraeli salientou que “esta raça selvagem, estouvada, indolente, incerta e supersticiosa não tem simpatia pelo caráter inglês. Seu ideal de felicidade humana é uma alternância de cozidos clânicos com aberrante idolatria. A historia deles descreve um ciclo inquebrável de fanatismo e sanguinarismo.”

A partir da ascensão de William E. Gladstone, um ministro liberal, o governo inglês deu alguns passos, em 1867 e 1870, no sentido de estabelecer algum tipo de autonomia para a Irlanda. No entanto as propostas de encaminhamento da autonomia foram rejeitadas pelo Parlamento de Londres em 1886 e, novamente, em 1893.

Quando eclodiu a Guerra de 1914, o governo inglês, com aceitação das lideranças irlandesas mais moderadas, suspendeu os trâmites para o Home Rule. Novamente os irlandeses viram-se convocados para lutar em guerras que não eram as suas, retomando o seu infeliz destino de, como versou William Yeats, “Guerrear a quem não odiavam e proteger a quem não amavam”.

Mas como ocorrera em outros momentos da história, sempre que a Inglaterra envolvia-se em dificuldades, abria-se uma brecha para que os irlandeses se insurgissem. Na Primeira Guerra não foi diferente. Em 1916, um grupo de militantes do Irish Republican Brotherhood, a Irmandade Republicana Irlandesa (precursora do IRA) determinou-se por um levante em Dublin. Liderados por Patrick Pearse, lançaram-se numa aventura espetacular e suicida. Em abril daquele ano, no chamado Easter Rising, o Levante da Páscoa, os voluntários do IRB ocuparam vários pontos estratégicos da capital e proclamaram a República Irlandesa.

Os ingleses enviaram tropas de combate e rapidamente os isolaram. Presos todos eles, uns 3 mil ao todo, viram seus líderes (16 homens) serem fuzilados na Prisão de Kilmainhan. Apesar do levante não ter contado com apoio popular, seus efeitos se fizeram sentir. Dada a repercursão negativa das execuções os ingleses perceberam que seu domínio sobre a ilha se eclipsava.

O Sinn Féin e o IRA

Dois dos rebeldes foram poupados: Michael Collins, o futuro fundador do IRA (Irish Republican Army), e Eamon De Valera, o emancipador , ministro e depois presidente da Irlanda. Seu novo instrumento politico de luta foi o Sinn Féin (“Nós Sozinhos”), um combativo partido nacionalista e republicano que ganhará maioria das votaçõe em 1918 acelerando a independência.


Libertados por uma anistia ao fim do conflito mundial, ambos trataram de provocar uma guerra sem quartel contra o domínio inglês, não sem antes fazerem com que o braço armado do Sinn Féin, os pistoleiros do IRA - “Os Doze Apóstolos” - travem uma luta intermitente contra os agentes britânicos.

Michael Collins recorre à ações espetaculares, aos atentados e emboscadas guerrilheiras. A lei marcial é imposta à Irlanda. Forças especiais a serviço dos ingleses desembarcam para um tudo o nada, entre elas os Blacks and Tans, Os Negros e Castanhos (*). Em represália a morte de 14 oficiais ingleses os Blacks and Tans entraram num estádio de futebol no Croke Park de Dublin e atiram sobre multidão, matando 12 e ferindo centenas de espectadores. Este episódio, ocorrido em 21 de novembro de 1920 ficou conhecido como Bloody Sunday, o domingo sangrento.

(*) Denominação da tropa de choque formada por irlandeses convocados na Inglaterra para reprimirem as agitações nacionalistas em Dublin e no resto da Irlanda, entre 1919-21.

O Estado Livre e a partilha da Irlanda

Exaustos pela Grande Guerra e com novo governo liderado por Lloyd George, os ingleses resolveram negociar uma solução definitiva. Michael Collins e Arthur Griffith foram enviados a Londres para assinarem um acordo: o Tratado Anglo-Irlandês de 6 de dezembro de 1921. Acertou-se que a Irlanda teria uma independência parcial desde que aceitasse que as 6 provincias do antigo condado de Ulster, majoritariamente protestante, continuassem ligadas à Inglaterra. A Irlanda viu-se dividida em duas. Seus ¾ povoados por católicos formariam o Irish Free State, o Estado Livre da Irlanda, ainda dentro do Dominio Britânico, enquanto que os protestantes estariam ao abrigo na Irlanda do Norte, ligada ao Reino Unido.

Michael Collins fez com que o tratado, sob amplos protestos, fosse aprovado pelo Dáil Eirean, o parlamento dos irlandeses. De Valera, inconformado, rebelou-se contra o seu antigo camarada, mobilizando seus partidários, os irregulares, tomando de assalto vários pontos de Dublin. A infeliz Irlanda, que recém conquistara a autonomia, mergulhou numa guerra civil. O enfrentamentode Collins e De Valera estendeu-se por dez meses - de abril de 1922 a maio de 1923 -, até que os regulares de Collins, o Exército Republicano, asseguraram a vitória.

A idéia de Collins, que logo foi morto numa emboscada em Beal na Mblath no dia 22 de agosto de 1922, era que devia-se aceitar o acordo com os ingleses como primeiro passo para a total independência, “ter a liberdade para alcançar a liberdade”. O que de fato se concretizou na Constituição de 1937, com a República do Eire (*). A Irlanda somente rompeu definitivamente seus laços com o Commonwealth, a Comunidade Britânica, em 1949. A questão da Irlanda do Norte tornou-se desde então, desde 1921, um espinho na garganta dos republicanos irlandeses.


As Rivalidades na Irlanda do Norte


Irlanda do Norte: a retomada do conflito

Os protestantes do Ulster sempre foram contra a autonomia e hostis à República irlandesa. Temiam que, integrados ao resto da ilha, terminassem nas mãos de uma maioria católica vingativa. Num primeiro momento, em 1913, organizaram-se como os Voluntários do Ulster (mobilizados contra os irlandeses católicos) que somados ao Partido Unionista formavam a frente anti-católica. Com a secessão de 1921 passaram ao controle absoluto da vida politica, econômica e social da Irlanda do Norte. Ao longo destes 70 anos a provincia destacou-se pelo seu crescimento fabril, especialmente durante a 2º Guerra Mundial (1939-45), quando a Inglaterra, por motivos estratégicos fomentou uma série de indústrias, entre elas a dos estaleiros navais. Enquanto a Irlanda, magra de capitais, ainda continuava agrícola, a Irlanda do Norte passou a atrair mão de obra de trabalhadores católicos.


Para exclui-los da cidadania os protestantes unionistas criaram uma série de artifícios eleitorais que os discriminavam. Eles, os católicos do Ulster, tornaram-se os “turcos” da Irlanda do Norte. Enquanto ainda eram minoritários eles não se sentiam fortes o bastante para encaminhar ou lutar por reivindicações, mas o crescimento da sua presença na economia da Irlanda do Norte alterou sua comportamento. Por volta de 1960 eles atingiram a 35% da população da região.

Nos anos 60, estimulados pelo Movimento pelos Direitos Civis liderados nos E.U.A. por Martin Luther King, uma série de organizações católicas, aliadas a antigos simpatizantes do IRA, decidiram-se mobilizar-se. Resolveram abandonar a passividade anterior. Os católicos achavam que a sua situação na Irlanda do Norte não diferia muito da discriminação que os negros sofriam na América. Em 1965 fundaram a NICRA (North Ireland Civil Reigths Association) reivindicando o fim das leis eleitorais excludentes, a liberação das moradias (os católicos não podiam alugar casas em certas regiões ou bairros), e a eliminação das forças repressivas especiais, os violentos B-Specials, uma policia de choque do governo protestante.

Do Movimento pelos Direitos Civis à ação armada

“Are the men that God made mad.
 For all their wars are merry,
 And all their songs are sad.”

 (Eles são os homens que Deus enloqueceu/ Alegres estão para as guerras/ E todas as suas canções são tristes) - G.K.Chesterton - “For the Gaels of Ireland”

Inspirando-se nos ativistas americanos, os católicos organizaram várias marchas de protesto pelo país. Dois acontecimentos fizeram história. No dia 1ª de janeiro de 1969 uma dessas marchas, a de Belfast a Londonderry, foi violentamente atacada pela multidão protestante. Três anos depois foi a vez das tropas britânicas - que haviam sido recebidas com alivio pelos católicos perseguidos -, envolverem-se numa chacina. Pára-quedistas abriram fogo contra uma passeata pacifica e desarmada em Bogside, no Derry, em 30 de janeiro de 1972, matando 13 católicos e ferindo centenas deles, no incidente também chamado de Bloody Sanday. E isto que os soldados britânicos haviam desembarcado lá, desde a generalização dos distúrbios de 1968-9, como pacificadores.



Para os católicos foi uma desilusão. A antiga aliança entre o Exército Inglês e os Protestantes do Ulster formara-se novamente. Neste quadro adverso pensaram que somente a guerrilha urbana e o terrorismo poderiam levar vantagem. O IRA renasceu, denominado Provisional IRA, e desde então que a Irlanda do Norte não teve mais paz.






Os Unionistas protestantes, por seu lado, apoiaram a formação dos Dead Squadrons, os esquadrões da morte, grupos paramilitares que atacavam e matavam ativistas dos Direitos Civis e militantes do IRA. A cada ato violento vinha outro em resposta. A economia da Irlanda do Norte estagnou e depois declinou. O aumento geral das dificuldades acirrou ainda mais ódio entre os dois grupos.

O IRA decidiu-se por ampliar seu raio de ataque. Passou a explodir bombas na Inglaterra e a assassinar personagens eminentes do establishment britânico, como o atentado que vitimou Lord Mountbatten, um herói de guerra, morto em 1979. Todas as tentativas de apaziguamento feitas nestes 30 anos fracassaram. Apesar da assinatura de uma trégua geral em 1994, entre os Unionistas, o representante do Sinn Féin e do governo britânico, foram incontáveis as infrações cometidas por ambos os lados.

Com a eleição de um ministro trabalhista Tony Blair, que sucedeu um governo conservador, que estava 18 anos no poder, voltaram as esperanças de paz. Desta vez buscou-se um amplo apoio popular recorrendo-se a um referendo onde 70% da população norte-irlandesa, católicos e protestantes, votou a favor da paz imediata.

Conclusões

O que hoje ocorre na Irlanda do Norte pode ser considerado como a última batalha do antigo Império Britânico. Trata-se para alguns da última dor do “dente podre” do velho Leão Imperial Inglês.

Ressalte-se que o povo irlandês, nos 800 anos de desarcertos com a Inglaterra dominante, resistiu a tudo. Nesses séculos todos foram as cobaias de um verdadeiro laboratório da repressão imperial. Todas as maldades e perversidades experimentaram-se neles. Atacaram suas propriedades, sua economia, sua cultura, sua tradição, suas leis milenares e sua religião. Até um genocidio sofreram. Nunca desistiram de lutar. Foram os hilotas dos ingleses.

Pagaram um preço elevadissimo por isto. Apesar das suas terras estarem entre as mais férteis da Europa, os irlandeses eram, faz pouco, considerados como uma espécie de povo do Terceiro Mundo encravado no Reino Unido.

Hoje ¾ do território da ilha retornaram ao controle dos irlandeses livres que se apressam em recuperar o tempo perdido. Muitos falam de um “Renascimento Gaélico”, com o recuperação do seu antigo patrimônio cultural devastado pela opressão e pelas perseguições. Como tantas outras minorias européias esmagadas pelas forças dos impérios, buscam restabelecer a integridade cultural do seu passado, anunciando para o século vindouro, para o século 21, uma nova primavera dos povos.

Atualmente.


07/03/2016 10h10 

'Novo Ira' ataca guarda de prisão na Irlanda do Norte


Um grupo que se apresenta como o Exército Republicano Irlandês (IRA) e conhecido pelo nome de  "Novo Ira" reivindicou nesta segunda-feira (7) o ataque de sexta-feira (4) em Belfast contra um guarda de presídio, em comunicado enviado à BBC.

Um artefato explodiu na sexta-feira quando o guarda, um homem 52 anos, dirigia uma caminhonete. 
Ele foi hospitalizado e sua condição é estável.

A reivindicação foi feita por um outro responsável pela morte de outro guarda carcerário, em novembro de 2012, e conhecido desde então como "Nova Ira".

Seria o grupo dissidente mais importante em atuação nos dias de hoje, segundo a BBC.
Um porta-voz desse grupo disse à BBC que o ataque era o resultado de um conflito entre detentos e a direção do presídio, onde estão presos dissidentes republicanos, sobre as condições da prisão.

Quatro pessoas foram detidas neste caso, três homens e uma mulher, e estão sendo interrogados.
Este ataque faz a polícia temer uma nova campanha de violência por ocasião do centenário da insurreição de 1916 contra o Reino Unido.

Entre 24 de abril e 1º de maio de 1916, 500 insurgentes morreram, 2.500 ficaram feridos e mais de 2.000 foram presos durante esse período, conhecido como "A Insurreição Páscoa".

Esta rebelião contra o poder britânico fracassou, mas constituiu um fator-chave no combate dos irlandeses, que levou à independência da República de Irlanda, em 1922.
A Irlanda do Norte permaneceu, em compensação unida ao Reino Unido.

Fontes:
http://educaterra.terra.com.br
http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/03/novo-ira-ataca-guarda-de-prisao-na-irlanda-do-norte.html

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